Sunday, June 15, 2008

Edmilson Vs. Séneca


Edmilson, um chimpanzé de chapéu de coco e bengala, encontra-se num cruzamento ermo, algures em Portugal, com uma arma na mão. «É imperativo e iminente o suicídio», diz Edmilson para si mesmo. Até que, para seu espanto, apercebe-se de um vulto que se aproxima. A figura, recortada na noite contra a luz da Lua, traz consigo uma ténue aura luminosa, que indica claramente que não está bem viva. Ao aproximar-se, o vulto revela-se a Edmilson: é Séneca.

- Quem és tu?
- Sou Séneca...
- Isso bem vejo eu. Mas será possível?
- Claro que é. Se me vês é possível, se bem que a vida não me tenha voltado ao corpo. Não tem, sequer, recipiente... Pois, tal como a mente deambula sozinha durante o sonho, também a alma ganha vida própria quando o corpo desaparece.
- Não acredito em vida depois da morte. Não serás mais do que uma ilusão, suponho.
- É precisamente esse teu cepticismo existencialista que me trouxe aqui hoje. E muitos se seguirão a mim... Diz-me: porque querias ir desta para melhor se não acreditas que há algo melhor depois da vida?
- Para acabar com o desespero. O desespero tem fim da linha, sabes?
- Não, não sei. Não quero saber. Não acredito nesse tipo de visão... A morte não é definitiva, por isso deve ser uma passagem pacífica. Deve ser um momento tão pacífico quanto o resto da vida. Pois, tal como aceitamos a passagem do Inverno para a Primavera e do Verão para o Outono, devemos aceitar a passagem das estações da existência.
- A vida não é pacífica, em nenhuma altura...
- Isso é porque te falta coragem.
- É melhor ires, Séneca. Não gosto de receber conselhos de um fantasma. Ainda por cima que carrega em si a fama que se revela verdade: és feio como cornos.

E ambos partiram carrancudos. Edmilson na estrada de terra, Séneca na bruma.

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