Friday, February 23, 2007

mood

ser de alguém é isto:

Saturday, February 17, 2007

Estado crítico #7

SOMOS CARCAÇAS ANIMADAS POR SENTIMENTOS ANTIGOS

literatura

o rapaz, determinado dia, teve uma ideia: o papel e a caneta preencherão o lugar deixado vago pela rapariga. nos intervalos do amor, a dor. a isso gostava ele de chamar «literatura».

empty room



Thursday, February 15, 2007

são valentim

se amanhã não acordares, meu amor, então que seja minha a faca espetada no teu peito. e cravou-lhe a faca do pão na zona do fígado, pensando que lhe penetrava o coração. desfez-se o fígado debaixo do peso do seu corpo, mas pensara que apenas lhe enchia o coração de um amor violento. amanhã é um novo dia, meu amor, estaremos juntos para sempre. e o sangue a tingir os lençóis. amor, amor, porque gostas tanto de mim? as entranhas desfeitas. um coração intacto mas sem bater. a faca não penetrou no coração, mas penetrou na rapariga em pleno sonho. o assassino não entrava nesse sonho.

O chão

As moedas ao caírem no chão fazem barulho. Pequenas e grandes. Fortes e menos fortes. Não são invisíveis. Só as coisas que não fazem falta caem no chão sem fazer ruído. Veja-se o lenço sujo arremessado ao ar ou a bola de cuspo. Já a moeda chama o homem. O amor também, quando cai, faz barulho, pede que o homem se ajoelhe, chamando pelo seu nome, para que não lhe doa o estômago.

Peão da torre da rainha

O homem esfrega-lhe a cona em pleno bar. Rejubila, a rapariga. Joga o peão da torre da rainha, diz ela, é mais forte. Perderá, a rapariga, se confiar na força. Joga a pedra, grita ela. Esfrega-me a cona. Ele esfrega-lhe a cona. Joga a pedra, o homem. Vai perder. A rapariga sabe bem que o peão vai com a torre, vai com a pedra, mas não deixa de ser um peão.

frança

frança é um curto espaço de terra entre a alemanha e o mar onde os homens são mais mulheres, diz a mãe à filha no café.
a frança é uma mentira?, pergunta a criança.
o velho na mesa ao lado assoa-se para o lenço e sai sangue.
não é, minha querida.

mãe, a frança existe?
sim, é um espaço grande de terra.
o velho tosse e cospe sangue.

mãe, é verdade que em frança há homens mais sábios que nos outros sítios?
frança é uma terra muito bonita, filha.
o velho começa a ficar arroxeado, sem respirar. a respiração é o mote da vida. não há nada mais metafísico do que depender de um movimento do esterno para poder pensar.

a criança começa a gritar: frança é uma mentira, frança é uma mentira.
o velho cai morto chão, numa poça de sangue, a face de cor roxa. a frança é uma mentira, foram as últimas palavras que gravou em vida.

Tuesday, February 06, 2007

amor IV

por muito
que o homem quisesse escrever as
suas próprias
páginas,
o livro folheava-se a um ritmo próprio.
por vezes as palavras ficavam tortas
e ilegíveis,
mas a página não voltava atrás.

amor III

o amor tem pernas,
foge de ti,
corre em teu redor
chamando-te nomes.
e tu sem saber o que fazer
sem saber como morrer
e como lhe dizer
que antes dele já vinhas
tu e o teu monólogo indecifrável.

amor II

chegando à hora do deitar, o rapaz recusou-se a ir para a cama, como se a noite sem ela fosse uma estrada sem fim.

amor I

um homem condena-se a si mesmo a gostar de uma mulher como se entre o hoje e o amanhã estivesse um beijo prolongado.

vita nuova

um homem mudou de casa, de emprego e de cidade. com isto queria convencer-se a si mesmo que tinha mudado de vida, que a anterior nunca tinha sido a sua. queria convencer-se de que a vida melhorava como se esta não fosse uma continuação daquela.

rapidez

hoje dormi até à hora de almoço, apenas para que o dia fosse mais curto.

Saturday, February 03, 2007

ad aeternum

ele escrevia o seu nome na água pensando que era para sempre.
um erro.
mas desta vez mergulhou de cabeça.

Estado crítico #6

A INFÂNCIA É ESTADO CONTÍNUO



segundo tiro

o escritor matou-se com dois tiros na testa, dizem. fica a pergunta: como teve tempo para o segundo tiro?

Friday, February 02, 2007

...

quando o tremor veio, eu não tinha mais corpo para lhe dar.

oráculo

desde novo aprendi que
a vida não quer saber o rumo.
mas se queres saber o teu,
basta atirar uma navalha aberta ao ar
e preparar um pontapé
para que o oráculo te
revele que vida é a tua:
predestinação ou triste sina.

um homem ou um rato

para encontrar a saída, persegue o rato.

ponto de fuga

antes do casamento, ela arranjou um amante fixo, como quem quisesse cobrir a retirada.

Estado crítico #5

ATÉ O AMOR PRECISA DE PAREDES

amor

o amor deveria ser uma relação directa de duas partes interessadas, de forma desinteressada.

coragem

é mais difícil a coragem na solidão. tomemos este exemplo: uma criança com medo do escuro nunca entrará pelo seu próprio pé numa sala sem luz, mas duas crianças juntas com medo do escuro já serão capazes de arriscar entrar nessa sala, para descobrir o que está nas trevas.
como disse, é difícil a coragem na solidão. um homem sozinho cometendo actos destemidos - a isso se chama desespero.

religião

deus envia o homem, com o livre arbítrio, à terra sabendo que este vai escolher mal. a religião não se torna mais cruel do que isto.

circo

não se pode pedir ao animal selvagem que se sente na cadeira.

flor de poesia

é a vida mais do que isto
que vemos?
não creio.
«agarra-te à vida, joão, agarra-te ao que tens.
agarra-te à s., flor de poesia»,
ouço um eco no quarto dizer-me.